cursos eleusa banner.jpg
celi22222.jpg

Bayerischen Staatsoper

Bayerisches Staatsballett

(première mundial)

Cor. Alexei Ratmansky

Mús. Piotr Ilich Tchaikovski (Ouvertures)

 

Tchaikovski - Ouvertures

(segundo William Shakespeare)

 

O que era um título de trabalho ficou sendo o verdadeiro título, o que achamos consequente, já que outro implicaria ser o de uma obra em si. Aqui não se trata de uma obra com dramaturgia interna. Entre a Elegia, (música de cena sobre Hamlet), Fantasia-Hamlet, A Tempestade, Fantasia para Orquestra, Romeu e Julieta (dueto cantante para soprano e tenor), Romeu e Julieta Fantasia-Ouverture, dificilmente se vê o vínculo. Muitos me perguntaram se seria necessário ler essas magníficas obras de Shakespeare para entender a coreografia. Ler Shakespeare é a beleza em si; não faria mal a ninguém. A Ouverture não precisa de uma ligação de conteúdo com as obras que se seguem (Brockhaus da música), como quis Ratmansky.

 

A 1ª. Ouverture teria sido identificada em 1640, abrindo um balé cênico em Paris, perto do instrumental de J.B. Lully. A Elegia é um gênero poético aparecendo nos anos 7 a.C. tendo sentido de tristeza ou melancolia. Fontes musicais recentes afirmam que essa conotação vai-se esvaecendo a partir do Renascimento. Fantasie – forma de realização instrumental livre de “obrigações musicais”, perto da improvisação. O título das peças musicais aparece desde o início do século XVI, algumas vezes ligado a danças e canções para dançar. A Fantasie pertence mais ao domínio da música e a Ouverture continua a ser mais empregada em óperas, ainda séculos mais tarde, com o nome de Prelúdio (para R. Wagner) ou Introdução (para G. Verdi).

 

Vamos nos lembrar de Ratmansky em nossa primeira entrevista, 2008, na cantina da Ópera de Paris, quando da tournée do Balé do Bolshoi, durante os intervalos de Spartacus, no papel-título Carlos Acosta. Já então nos confiou Ratmansky, diretor do Balé do Bolshoi à época, que o Bolshoi merecia um diretor 24 horas por dia. “Sou um artista livre que gostaria de dar o melhor de mim mesmo às companhias e aos bailarinos com quem trabalho”.

 

Alexei é russo-ucraniano, de pai ucraniano, nasceu em St. Petersburgo, depois estudos na Academia de Balé em Moscou. Dançou como primeiro solista no Balé Nacional da Ucrânia, no Royal Winnipeg Ballet e no Balé Real da Dinamarca. Desde seu tempo como bailarino, começa a coreografar para grandes companhias, como o Balé do Teatro Mariinski, o Balé da Ópera de Paris, o Balé Real da Dinamarca e o Royal Ballet. Ainda o American Ballet Theater e o New York City Ballet. De 2004 a 2008 fo ei diretor do Balé do Teatro Bolshoi e, a partir de 2009, coreógrafo residente do A.B.T. Decide, no entanto, não prolongar seu contrato com a Companhia e, em agosto 2022, começa como coreógrafo residente do New York City Ballet.

Livre das amarras administrativas do Bolshoi, uma esplêndida carreira abre-se a Ratmansky. Aos 40 anos. Suas reconstruções originais de obras clássicas permitiram uma rápida ascensão. Paralelamente, a diversidade de seus interesses artísticos: pintura e literatura. Daí o balé sobre Vassily Kandinsky, A Tempestade de William Shakespeare, Ana Karenina de Leon Tolstoi, As Perdidas Ilusões de Honoré de Balzac.

 

Para o Staatsballett de Munique, remontou Paquita, em 2014. Só falamos do que expressou quanto à herança da tradição, segundo as notações originais, que pôde obter e trabalhar sobre elas. “Quero aprender com Paquita, não como o balé é dançado hoje por outras companhias, em estilos diferentes, mas antes. Não entrar muito no âmbito da interpretação, mas na leitura dos documentos. Conectar-se com o passado é muito importante para mim, pois as coisas se perdem, os passos se perdem, o vocabulário da dança clássica se perde. Os passos desaparecem das salas de aula e, obviamente, do palco. Por isso, interesso-me pelas reconstruções sérias, tão exatas quanto possível”.

 

Foi difícil para a Companhia dançar “como antes”; os developpés mais baixos que 90 graus, os braços arredondados etc. Toda uma estética a aprender em algumas semanas. Um stress imenso para o Ensemble, Depois da geral, me confiou: “ Vou falar com eles, porque sinto em mim a responsabilidade, a possibilidade, não apenas de empregar todo esse material em minhas obras, mas transmitindo-o aos bailarinos”.

 

Não sei o que disse a eles, mas na première a Companhia mostrou-se como um Ensemble de grande nível, mesmo se nem todos dançaram “como antes”. Menos rigoroso com o Balé de Zurique foi sua reconstrução do Lago, com uma companhia mais acessível também a essa estética antiga. Mas sempre exigente. Apesar de ter ao lado da Companhia o Júnior Ballet, a Academia Zurique, os estudantes da Escola de Balé da Ópera de Zurique, ainda não estava completamente satisfeito; “Normalmente, são 24 pares, fora os outros participantes e os solistas”. Desarmante...

 

Com toda essa bagagem de vocabulário e linguagem dos passos e coreográfica, Ratmansky possui um fabuloso material para suas próprias coreografias. Faltou-me um componente, mesmo se não vi suas obras em toda profusão, e que senti no seu Lago, em Zurique: a proximidade emocional com Tchaikovsky. O que não reencontramos agora, na estranha escolha da Fantasia-Ouvertures de Tchaikovski, com um cenário dos mais sóbrios, a imensa cena às vezes praticamente “habitada” só por um solista.

A grande sobriedade já traz em si uma emoção, porque nela ficamos fixados naquilo que involuntariamente somos. Ou voluntariamente? A tradução musical dos passos, dos ângulos, das determinações do espaço, é sentida como um fino brilho de lembranças. Quem é Hamlet, quem são Romeu e Julieta, o que representa A Tempestade? Serão já arquétipos? Morte, Devastação, Amor-Paixão.

 

O fato de não querer, nesse momento, criar uma obra narrativa, mas peças de um grande compositor, sobre obras de um grande escritor, já é uma escolha. E qual? Dois imensos artistas, cujas obras já pertencem ao “inconsciente coletivo”, juntos, para uma grande obra emocional. A “narração”, que aparentemente não existe, é sub-reptícia, pois há também uma escolha das obras segundo um critério, seguramente um itinerário, psicológico e emocionalmente “narrativo”.

A ideia do coreógrafo de transmitir emoção ao público e uma relação das obras junto a ele é um pouco temerária, já que a emoção é fundamentalmente individual. Para William James, o essencial da emoção tem a ver com “mudanças corporais”.

Me reconhecendo como parte do público, não consegui o relacionamento desejado, sendo as obras distintas, certo, mas ligadas por uma dramaturgia interna, evidentemente mesmo musical. Entre os (certamente necessários) intervalos, longos, de 25 a 30 minutos, a emoção perde-se em “banalidades sociais”. A ideia do ótimo dramaturgo Serge Hoenegger de que Ratmansky conseguiria “deixar um mundo aparecer a cada momento, quando a cortina se abre, e ser capaz de estabelecer um novo começo”, não nos parecia difícil.
 

Mas...

Nos aproximamos do brilhante cenógrafo Jean-Marc Purissant, ex-bailarino do Balé da Ópera de Paris: “O balé clássico abstrato dirige nossa percepção, mas nos deixa a liberdade de pensarmos por nós mesmos, a liberdade de reflexão, dos  sonhos e lembranças. Ao que responde no programa o próprio Ratmansky: “Na área da emoção estamos no balé particularmente credíveis. Porque podemos representar o indizível. De certa forma, a música também. Mas como bailarinos conseguimos ir mais além na representação da emoção, através de nosso corpo, rosto, olhos, nosso espírito, nossa energia. Mas o melhor de tudo é dançar”.

 

É do que falaremos em nosso próximo texto...

 

arrasta para abaixo, para mais notícias e informações exclusivas...

setas-verdes.png
PHOTO-2022-11-11-14-04-00.jpg

Walter Haupt homenageia

 

Celi Barbier por seu Jubileu

 

Todos sabemos que Walter Haupt é um dos maiores compositores contemporâneos do mundo, afiliado a Carl Orff, seu mentor. Um dia, o mestre lhe “intimou”: você terá de encenar Carmina Burana, com fantásticos costumes da Idade Média, e bem engraçados, como quero. O que foi feito, na Köenigsplatz, em Munique, quando de seu centenário, 1895-1995. Estamos ainda longe da homenagem a Celi.

Criando os Sons das Nuvens e outras ideias inovadoras, como escrevemos no seu Portrait, quando no Brasil que adora, foram 250 mil espectadores em Copacabana para Carmina Burana. Uma loucura total, diz ele. Assim em São Paulo, no Pacaembu, assim no Teatro Municipal, no Rio de Janeiro. Na América do Sul, 18 espetáculos. Ao todo, 16 anos de tournées mundiais, 40 países, 200 espetáculos. Estrondoso sucesso!

Vale a pena rever nosso Portrait incluindo uma última obra, Marie Antoinette, para o Staatsballet de Linz, Áustria. Na época, com 85 anos e uma esplendorosa vitalidade. Para a obra, 76 músicos e 52 ercussionistas.

Em 1972, para os Jogos Olímpicos, coube ao ministro da Baviera fazer a encomenda. Uma obra expressamente coreográfica e inovadora, tendo Celi como co-coreógrafa e assistente do diretor de balé, dr. Dieter Gackstetter. Ela recém-chegada a Munique. Foi o primeiro balé do mundo usando raio laser.

“Pontualmente, trabalhamos juntos. Criei para Celi, um solo “A Noite”, que fez parte da minha criação “Träume”: Sonhos sobre Le Bateau Ivre de Rimbaud, cujos versos ela também recitava, tendo retrabalhado e destorcendo a voz, teve um impacto do irreal, a cena experimental, toda coberta de espelhos, mesmo o espaço para a dança, mil prismas.

Em 1979, Kontrapunkt, para a cena experimental, de grande sucesso. Segue uma noite inteira dedicada a Samuel Beckett, em homenagem aos 80 anos do grande escritor, Prêmio Nobel de Literatura, para o Ballet da Opera de St. Gallen (Suissa).

Depois da tournée de 16 anos, Walter quis conhecer seu país. Compraram, então, um Wohn Mobil e percorreram a Alemanha “desconhecida”. Um tour de force para a maravilhosa esposa Rosi, organizadora, administradora, esplêndida na gastronomia para os convidados e no savoir faire. Me receberam os dois na mansão perto de Munique, branca, com ornamentos dourados. Do verdejante jardim sobressaem estátuas femininas, lembrado as da Grécia antiga. Entrada real. Aos lados do portal, duas belíssimas estátuas de Buda, em bronze. Diante delas, um triângulo em vidro com velinhas acesas em seu interior. Que acesas ficaram quando Celi cruzou o portal, tendo sobre ela uma lira em ouro. Emoção...

Florinhas rosas e delicadas pensavam esconder o presente. Inesperado o Allegretto, especialmente composto – “para Celi”. A convite, dirigiu-se ela ao salão imenso, com piso de mármore, um piano de cauda à espera. Walter, sorriso aberto, com o humor que lhe é peculiar, sentou-se ao piano: “Será que posso ainda interpretar?” Os sons do Allegretto afloram em Celi, além de alegria, a reflexão e as lembranças.                     

“Celi, uma verdadeira beleza, uma graciosa figura de arte viva na qual o sensual encontra o espiritual e se funde em uma unidade estética.

Celi, minha alma gêmea!

Nós experimentamos tantas estreias de sucesso juntos. Você como a graciosa dançarina em minhas primeiras composições, mais tarde como a colaboradora extremamente inteligente em meus últimos trabalhos.

Trabalhar com você foi e é sempre um enriquecimento maravilhoso."